Nosso primeiro amanhecer em Paris foi o do meu aniversário. Para essa viagem, eu queria conhecer a cidade pelos olhos dos meus diretores, autores e artistas prediletos. Eu havia juntado todos os pontos turísticos que me interessavam de vários roteiros diferentes: o “tour Meia-Noite em Paris”, o “tour Os Sonhadores”, o “tour da geração perdida” (com lugares em que Hemingway, Gertrude Stein, Fitzgerald e muitos outros viveram Paris). Logicamente, nunca esses roteiros estão reunídos em um guia coerente, onde você consiga visitar o máximo de lugares próximos uns aos outros. Fazer um guia assim pode demorar um pouco e requer atenção aos detalhes, então eu me debrucei sobre mapas, endereços, filmes, livros e referências para fazer um sólido guia a partir de tudo isso. No entanto, imprevistos acontecem. Por melhor que seja ter toda a sua viagem planejada, deixar as possibilidades abertas fará você descobrir pequenos tesouros escondidos na cidade, que não estão em nenhum guia. Paris (assim como qualquer outra grande cidade do mundo) irá te sugar para sua própria rotina, te oferecendo infinitas possibilidades de roteiros, e todos valerão a pena.
Nosso primeiro dia começou cinzento, numa temperatura média de 11Cº, mas sem previsões de chuvas pesadas. Andar em Paris é grande parte do passeio, aproveitar cada edifício, a história de cada cadeado que enche a Pont des Arts (na época ainda não tinham tirado todos), cada intervenção artística nas ruas que cria uma disruptura harmônica quando contrasta o trabalho de gerações de artistas. Assim, começamos no 11º arrondissement, no Boulevard Voltaire, região do confortável apartamento que alugamos via airbnb, parando para um rápido café-da-manhã na pâtisserie Poncet (existe uma patisserie, boulangerie ou um café em praticamente cada esquina da cidade, assim como estações de metrô). No caminho para nossa primeira parada, Notre Dame, decidimos não pegar o metrô e ir caminhando até lá, passando pela Place de la Bastille, cenário que marcou a Revolução Francesa, quando o presídio, símbolo da opressão, foi tomado em 1789 por insurgentes – no dia 14 de Julho é comemorado a La Fête Nationale, ou Le 14 Juillet, com grandes celebrações, paradas e muita festa.
Hoje em dia, a praça é localização da Ópera Bastille, sede oficial da Ópera Nacional de Paris, e da Coluna de Julho, erguida em homenagem à revolução de julho de 1830, quando o Rei Carlos X cai em uma (modesta) segunda revolução francesa contra a monarquia. A maioria das manifestações populares atualmente, como protestos sindicais e a marcha do orgulho gay escolhem a praça como ponto de partida.
Nesta praça, toda quinta-feira e domingo, sua rua lateral (Boulevard Richard Lenoir) é tomado pela enorme Marché Bastille, uma grande feira local com tudo que uma feira tem direito – e mais um pouco. É até difícil encontrar palavras para descrever a variedade de produtos vendidos ali. É um quarteirão inteiro tomado por barracas de todas as nacionalidades, onde franceses vendem pães e vegetais frescos, todos os tipos de queijo, peixes e frutos do mar (todos MESMO, alguns que até davam medo), italianos te oferecem salames e deliciosas massas feitas em casa, portugueses fazem promoções de doces e eu juro que quase ouvi um “moça bonita não paga, mas também não leva!”
Depois de muito perambular pelas mais quase 100 barracas, seguimos nosso passeio a pé até a margem do Sena, pelo pitoresco Boulevard Henri IV, que poderia ser cenário de qualquer filme, pelos seus prédios beges com ferragens pretas e as árvores que emolduram a vista ao horizonte.
Pode parecer besteira, mas um dos momentos mais emocionantes para mim, nesta viagem, foi a visão das margens do Sena, já com a Notre Dame à vista. Não é à toa que praticamente todos os filmes que se passam na cidade encontram alguma forma de colocar o Sena ou suas pontes em cena, seja Gil Pender passeando ao longo das margens em Meia-Noite em Paris de Woody Allen, seja o delicado Pont Des Art de Eugène Green que leva o nome da talvez mais famosa ponte de Paris (isso mesmo, aquela dos cadeados), o inesquecível passeio de Jessie e Celine de barco em Antes do Por-do-Sol, ou até desenhos animados infantis como Anastácia, onde a cena de conflito final se dá na ponte Alexandre III.
Depois de um almoço farto no Gladines, restaurante de comidas típicas da região do sul da França, continuamos nossa caminhada até a igreja no coração de Paris, a Notre Dame. Impressionante pelo tamanho, a catedral te ganha nos detalhes riquíssimos de sua arquitetura gótica, como suas esculturas e vitrais. Na parte superior da igreja, estão 28 esculturas que representam os reis da Judeia, cada um com mais de três metros de altura. As cabeças originais dessas esculturas foram decepadas durante a Revolução Francesa e hoje elas estão expostas no Musée National du Moyen Âge de Cluny. Outra peça histórica da igreja é o sino Emmanuel, único sobrevivente desde 1685, uma vez que durante a revolução, quase todos foram fundidos. Emmanuel só é tocado em ocasiões muito importantes, como Natal, Páscoa e marcos históricos, como o fim das duas guerras mundiais. Em seu interior, a catedral guarda mais relíquias – essas no sentido literal da palavra, pois entre elas estão fragmentos da coroa de espinhos usada por Cristo, que é protegida por um tubo de cristal e de ouro, e é apresentada aos fiéis toda primeira sexta-feira do mês e na sexta-feira santa.
Por dentro, a catedral é tudo que sua fachada promete, apesar da proximidade do Natal (era dia 21/12) encher cada centímetro da igreja de turistas fotografando, rezando e comprando souvenirs nas lojinhas que ficam nas entradas laterais e vendem todos os tipos de artigos religiosos. Me senti a própria Esmeralda, do Corcunda de Notre Dame, encantada pelos vitrais, imagens e colunas.
Mesmo com tudo isso, meu impulso de ir até a Notre Dame vinha da vontade de conhecer algo que passa despercebido pela maior parte dos turistas: o marco zero da França. Isso mesmo, logo na frente da catedral, em um espaço sem nenhuma sinalização, sem fazer alarde, está o ponto central do país, a partir de lá que todas as distâncias na França são medidas. Enquanto todos olhavam para cima, para a catedral, meus olhos estavam fixos naquela pedra, imaginando a idade daquilo, emocionada com o que ela representa. Um casal de senhores franceses percebeu minha felicidade ao ver o marco e começou a puxar papo comigo, metade em inglês, metade em francês, já desmistificando totalmente o estereótipo de francês rude e grosseiro com estrangeiros.
Não estávamos em Paris não faziam nem 24 horas e eu já estava perdidamente apaixonada pela cidade, daqueles amores à primeira vista que talvez durem pela vida toda. Tudo lá é encantado por anos de conquistas históricas e belezas naturais e construídas pelo homem. Não é à toa que durante um bom tempo, a cidade foi destino de artistas como Pablo Picasso, escritores como Gertrude Stein, que saíram de suas cidades natal em busca de inspiração na capital francesa.
Equipe Roteiro Refresh
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